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Síntese Histórica

Perde-se nas brumas do tempo e das lendas a razão pela qual foi criada uma praça-forte neste local. Esta dúvida, que só a arqueologia poderá esclarecer com segurança, estaria possivelmente relacionada com a morfologia dos solos que, juntamente com factores de estratégia de ordem territorial - uma vez que era necessário consolidar as recém-conquistadas terras - , levaram a que se fixasse um espaço defensivo e criasse condições para possivelmente existirem novas populações.

 

Sabe-se por Rui de Pina que em 1299 Castelo de Vide era ainda “lugar mais chã(chão) que forte”, ainda que desde essa data seja apelidado de “Castel da vila da Vide”. D. Afonso Sanches, filho de D. Afonso III, iniciou obras de construção de muralhas que depois seu irmão, D. Dinis, destruiu e construiu de raiz, ficando finalmente concluídas no reinado de D. Afonso IV.

 

Estes melhoramentos dotaram esta praça de melhores condições defensivas, alargando a cintura de muralhas e abrangendo o poço (inicialmente de fora), protegendo a sua entrada que era feita pelo interior do burgo. Crê-se que a torre de menagem seja um elemento do séc. XIV. Todos estes reforços no sistema defensivo são indicativos da crescente importância que Castelo de Vide representava em termos estratégicos.

 

A municipalidade foi adquirida em 1276 quando Castelo de Vide se libertou do termo de Marvão, ao qual pertencia desde 1226. Estudos recentes apontam já a existência da localidade em 1233, registada no foral dado a Tonhe, com a menção “castello da vide”.

 

Existem divergências entre autores relativamente às cartas de foral outorgadas a Castelo de Vide. Alguns autores indicam 1180, passada por Pedro Annes; e outros 1310, por D. Dinis. Porém, certa é a Carta de Foral de D. Manuel I a Castelo de Vide, em 1512.

 

Lentamente ocorre a expansão urbana fora das muralhas do castelo, ainda durante o séc. XIV. As condições da encosta Sul, com boa exposição solar e um declive mais suave, em detrimento das vertentes Norte e Oeste, mais escarpadas e ventosas, determinaram a expansão deste arrabalde.

 

A fundação de várias igrejas e ermidas extramuros estabeleceram com o castelo eixos preferenciais de estruturação de paisagem. Assim aconteceu com o eixo de comunicação que desde a entrada do castelo procurou encosta abaixo a ermida de Santa Maria, já existente em 1311 no local da atual Matriz. Este eixo foi certamente uma das mais antigas vias de expansão, estabelecendo ainda a separação entre as duas vertentes e também entre o outro arrabalde onde a Oriente, a fonte de água, já utilizada pelos habitantes do burgo em tempo de paz, determinou a expansão urbana para esta vertente, compensando assim os declives mais acentuados e a exposição solar menos privilegiada.

 

Não se sabe ao certo se um dos arrabaldes terá surgido primeiro que o outro, mas o mais provável será terem-se desenvolvido na mesma época, vindo este a ser paulatinamente utilizado pela comunidade judaica existente. Com a expulsão dos judeus de Castela e Aragão, muitos se terão estabelecido em Castelo de Vide por estar próxima da fronteira e da portagem de Marvão, fazendo aumentar a comunidade judaica já existente e certamente contribuindo para o desenvolvimento que iria caracterizar a vila.

 

É possível ter uma ideia, ainda que um pouco falível, do desenvolvimento urbano que a vila apresentava até ao séc. XVI pelos desenhos de Duarte de Armas (as mais antigas representações que se conhecem da vila), onde se pode verificar que no primeiro quartel do séc. XVI as duas vertentes se encontravam construídas.

 

A população dedicava-se à criação de gado e à agricultura, cultivando vinha, linho, oliveira, frutas e cereais. Também a indústria da moagem aqui se desenvolveu, com várias azenhas a funcionar ao longo das ribeiras de Nisa e de Vide, assim como a indústria de fiação de lã, tendo como suporte os gados que eram criados no termo da vila.

 

A partir dos finais do séc. XV, princípios de XVI, a fiação da lã adquiriu uma tal importância, que já anteriormente a D. João III (1521-1557), era um dos principais mesteres de Castelo de Vide e os seus habitantes passaram a ser apelidados de “Cardadores”. Os 885 vizinhos que possuía em 1527 subiram para 1400 em 1572, e para 1600 em 1603. Na base deste surto populacional esteve o incremento da produção agrícola, da tecelagem e do comércio com Espanha.

 

O novo foral, passado por D. Manuel em 1512, determina as normas sob as quais a vila deveria ser administrada. Não apenas novas leis são estabelecidas, como também a administração dos espaços públicos e a organização dos respetivos limites.

 

É neste momento que a instalação do mercado na grande praça (Rossio – nome porque era conhecida pelas pessoas mais antigas a atual Praça D. Pedro V) foi regulamentada. Esta área, uma vez integrada no tecido urbano, cedo adquiriu o estatuto de praça principal que mantém até aos nossos dias, determinando as referências para o desenvolvimento dos novos bairros. O sistema de ruas paralelas que cresceram na encosta de São Roque a partir dos finais do séc. XVI prova com clara evidência esta relação com o “Rossio” e os sinais de um esquema preconcebido.

 

Apesar dos constantes conflitos com Espanha, nos princípios do séc. XVI a vila não viu as suas fortificações serem ampliadas. A fortaleza medieval assegurou até bastante tarde a protecção e a defesa do território adjacente.

 

Contudo, o conflito que se seguiu aos 60 anos de domínio espanhol (de 1580 a 1640) trouxe de novo a necessidade de novas muralhas. Os trabalhos de fortificação de Castelo de Vide fizeram parte de uma campanha global que visava a renovação da totalidade da linha de fronteira.

 

A guerra de 28 anos com Espanha (de 1640 a 1668) foi tempo suficiente para a organização de uma operação efetiva conjunta do governo, do exército e com o precioso conhecimento de diversos engenheiros militares que introduziram as inovações da arte francesa e inglesa de fortificar.

 

1641 foi o ano de início de uma longa campanha de trabalhos em Castelo de Vide. No entanto, só uma década depois é que a linha fortificada por bastiões começou a ter forma. Além da longa linha de muralhas abaluartadas, os trabalhos incluíram o envolvimento da antiga fortaleza medieval com uma linha de baluartes e revelins, a construção de uma outra fortaleza (1710) na colina de São Roque e a adaptação da antiga cidadela às exigências da artilharia e aos novos sistemas defensivos. Em 1710, sendo governador da praça militar Manuel de Azevedo Fortes, uma outra linha abaluartada foi terminada com vista à protecção do Convento de São Francisco, de duas igrejas e de um pequeno bairro que ficou exterior aquando da primeira fortificação, demolindo-se, para o efeito, algumas casas na zona da Mealhada.

 

A realização destes trabalhos, nos princípios do séc. XVIII, teve como consequência uma forte restrição da expansão urbana da vila. O tecido urbano foi crescendo gradualmente, preenchendo o centro com casas senhoriais construídas por famílias abastadas com rendimentos que derivavam, sobretudo, da agricultura, e que puderam mandar construir os maiores e melhores edifícios em toda uma faixa que abarca o Largo João José Le Cocq, Praça D. Pedro V, Rua de Olivença e Rua Sequeira Sameiro.

 

De 1704 a 1708, outro conflito com Espanha infringiu diversas destruições na região. Em Castelo de Vide a fortificação serviu novamente os seus desígnios, no entanto, muitas partes ficaram bastante destruídas, em particular a torre de menagem medieval que ficou muito arruinada, em 1705.

 

Embora não ocorram novas obras de conservação das muralhas a partir do séc. XVIII, Castelo de Vide continuou, até finais do séc. XIX, com a imagem praticamente inalterada. Quando, em 1823, a guarnição militar saiu definitivamente de Castelo de Vide, e a vila deixa de ser considerada “Praça de Guerra”, os baluartes e muralhas foram abandonados ou vendidos a proprietários privados.

 

Em 1836, pela reforma administrativa de Mouzinho da Silveira, é suprimido o município de Póvoa e Meadas, que passa a estar integrado no de Castelo de Vide.

 

Conquanto, no séc. XVIII, Castelo de Vide tenha passado por um período de declínio das indústrias de tecelagem - em grande parte devido à criação da Real Fábrica de Lanifícios, em Portalegre - , alguns fatores de progresso produziram novamente um impulso no desenvolvimento de Castelo de Vide no século seguinte – pese embora, por vezes, ter sido a custo de destruição de elementos com valor, como é o caso da demolição de um imponente portal romano da Aramenha, ocorrida em 1852 (que tinha sido trazido do concelho vizinho de Marvão, como se sabe hoje da cidade romana de Ammaia, e reconstruído para ser a entrada principal no perímetro fortificado, no séc. XVIII).

 

Tiveram lugar algumas obras públicas, que passaram pela construção das novas estradas para Marvão, em 1878; para a estação de caminhos-de-ferro, que ligava Lisboa a Madrid; e a que fazia a circunvalação à vila e que passa pela Quinta do Prado, onde eram aplicadas novas tecnologias na agricultura e no fabrico do primeiro vinho espumoso, tipo “champanhe”, em Portugal por parte da família Lecoq.

 

Um novo período de ascensão económica e social começa a perceber-se a meio do séc. XX, com um aumento do turismo nesta região, tendo por base as águas minerais abundantes e diversificadas das várias nascentes que traziam os forasteiros a esta vila, bem como o posterior engarrafamento e comercialização da água proveniente da Fonte da Mealhada.

 

Pela primeira vez desde meados do séc. XVIII, cresce o tecido habitacional com a construção de vários bairros extramuros, logo após a Revolução de 1974.

 

O castelo, a cintura de muralhas, o casario branco, as inúmeras fontes, os solares oitocentistas, os portais góticos, as várias igrejas, os parques e jardins, os recantos pitorescos de construções de arquitetura modesta mas sóbria, a Judiaria, o Canto da Aldeia… são alguns dos singulares valores que tornaram a Notável Vila de Castelo de Vide conhecida mundialmente, sendo hoje o turismo o sector principal do seu desenvolvimento social e económico.

 

Bibliografia:

- BICHO, Susana Maria de Quintanilha e Mendonça Mendes: “A Judiaria de Castelo de Vide (contributos para o seu estudo na óptica da conservação do património urbano)”, Évora, Dezembro de 1999;

- JORGE, Ana Rita Santos: “The Old “Burgo” of Castelo de Vide – Portugal – Safeguard and Conservation”, Junho de 1991;

- CID, Pedro: “As Fortificações Medievais de Castelo de Vide”, Colecção “Monumentos Monografias”. Departamentos de Estudos, IPPAR (Instituto Português do Património Arquitectónico). Ministério da Cultura, 2005;

- Diversos estudos e trabalhos da Secção de Arqueologia da Câmara Municipal de Castelo de Vide.